O ChatGPT não compreende: uma análise sobre a ilusão de entendimento em modelos de linguagem
- Ricardo Frugoni
- 12 de out.
- 3 min de leitura
Modelos de linguagem de larga escala (LLMs, Large Language Models), como o GPT da OpenAI, operam sob um princípio estatístico fundamental: modelagem da probabilidade condicional de tokens. Apesar da fluência textual que demonstram, esses modelos não possuem compreensão semântica ou consciência contextual no sentido humano. Este artigo apresenta o funcionamento das LLMs, esclarece as limitações conceituais relacionadas à "compreensão", e discute os riscos da ilusão de sentido atribuída pelo usuário ao comportamento do modelo.
1. Introdução ao funcionamento das LLMs
LLMs são redes neurais profundas treinadas sobre corpora massivos de texto. Seu objetivo é modelar a distribuição de probabilidade:
P(wₜ | w₁, w₂, ..., wₜ₋₁)
Ou seja, dado um contexto anterior (prompt), o modelo prediz a próxima palavra/token com maior probabilidade, usando mecanismos como self-attention (Transformer) para ponderar a relevância de cada token no contexto.
Durante o treinamento, o modelo ajusta seus pesos para minimizar a perda (loss function), geralmente baseada em cross-entropy, entre a previsão e a palavra real subsequente em textos do corpus.
2. LLMs não compreendem: distinção entre sintaxe e semântica
O ponto-chave é que as LLMs operam em nível sintático-probabilístico, não semântico-cognitivo.
Exemplo prático: Dado o prompt:
“A Terra gira em torno do...”
O modelo responderá “Sol” não porque entende astronomia, mas porque essa sequência tem alta probabilidade no corpus. Se for treinado em um corpus enviesado ou fictício, pode igualmente dizer “Lua” — se esse for o padrão recorrente.
Analogia com Markov:
Embora mais sofisticado, o princípio subjacente é semelhante ao de uma cadeia de Markov de ordem altíssima, com atenção contextual distribuída dinamicamente.
3. O fenômeno da “alucinação”
As chamadas hallucinations ocorrem quando o modelo produz saídas factualmente incorretas mas linguística e estatisticamente plausíveis.
Motivo técnico: A LLM não acessa bases de conhecimento externas em tempo real (a menos que integradas). Ela apenas reproduz padrões.
Não há mecanismo interno de verificação de fatos, nem inferência lógica estruturada. A LLM "parece saber" porque suas respostas são estatisticamente coerentes — não porque são verdadeiras.
4. A ilusão de inteligibilidade (ou o efeito Eliza 2.0)
Assim como o chatbot Eliza (1966) enganava usuários por simular respostas empáticas com regras simples, as LLMs enganam por fluência e coerência textual — fenômeno amplificado por nossa tendência cognitiva ao pareidolia semântica, isto é, atribuir sentido onde há apenas padrão.
Esse fenômeno pode gerar falsas suposições como:
“A IA sabe o que está dizendo”
“O ChatGPT entendeu meu problema”
“Essa resposta é confiável porque está bem escrita”
Todos são erros de interpretação antropocêntrica.
5. Implicações técnicas e éticas
Aplicações seguras requerem:
Filtros de verificação factual externa
Pós-processamento com lógica simbólica ou algoritmos determinísticos
Intervenção humana crítica (sistemas human-in-the-loop)
Transparência sobre limitações do modelo para o usuário final
Perigos do uso acrítico incluem:
Geração de desinformação automatizada
Respostas inventadas em contextos clínicos, jurídicos ou educacionais
Risco reputacional em sistemas de atendimento e suporte
As LLMs representam um marco na engenharia da linguagem, mas a fluência gerada não deve ser confundida com cognição.
ChatGPT e seus equivalentes não compreendem, não raciocinam, não dialogam — eles apenas modelam a continuidade textual com alta sofisticação probabilística.
Referências Técnicas:
Vaswani et al. (2017) – Attention is All You Need
Bender & Koller (2020) – Climbing towards NLU: On Meaning, Form, and Understanding in the Age of Data
Marcus & Davis (2020) – GPT-3, Bloviator: OpenAI’s Language Generator Has No Idea What It’s Talking About
Mitchell (2021) – Artificial Intelligence: A Guide for Thinking Humans




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